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o tempo de uma gaveta aberta
é o tempo de uso de uma gaveta aberta
é o tempo de uma gaveta em uso
agora fechada a gaveta guarda
o tempo para trás levou
e não volta mais: voou





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érica zíngano | francine jallageas | ícaro lira | lucas parente

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Queridos, continuo a discussão porque acho que se a gente souber aproveitar esse tipo de oportunidade, sem mesquinharia, sem eguinho, a gente pode crescer muito. Antes mesmo que leiam, peço respostas, porque me arrisco num terreno perigoso. É o seguinte: O Waly diz que o poema deve ser uma festa do intelecto. Isso não iguala o poema a uma dissertação de mestrado, essa seria uma auditoria fiscal do intelecto. Mas é uma festa do intelecto, ou seja, o poema não deve abolir a reflexão. Sim, aprendo tanto com o Carlo Ginzburg quanto como Perceval, tanto com Deleuze quanto com Kafka, não vejo sentido em separar a obra poética da aquisição de conhecimento. Toda obra traz uma tese por trás, quer a gente queira, quer não. Para os bons observadores, isso é patente. A tese pode ser mais elaborada, mais próxima da criação (a poiesis propriamente dita) ou não, vincuculando-se nesse caso às verdades prontas, ao censo comum. Isso não é necessariamente um problema, porque há espaço para tudo no mundo, mas caimos inevitavelmente na questão dos valores. Particularmente, valorizo as obras que despertam resultados mais inusitados, mais originais, porque acredito que esse tipo de obra se aproxima mais do sentido originário da poesia, do seu sentido mais profundo. Essa originalidade não pode ser alcançada senão através de uma reflexão cuidadosa que ultrapassa o espaço do poema, uma reflexão de vida, sobre a vida, sobre as coisas e os conceitos, que também são coisa, talvez hiper-valorizadas, mas são coisas. Isso supõe um trajeto, uma paciência, um esforço, e não exclui a simplicidade, muito pelo contrário. Só acredito na simplicidade alcançada como resultado de um trajeto através da selva da complexidade, da obscuridade dos dados de realidade. Todo bom livro analítico prova isso: primeiro o autor se depara como um bocado, uma imensidão de dados embaralhados, depois vai organizando eles até chegar a uma fórmula simplérrima. Uma simplicidade que não reconheça o complexo não é legítima. Aliás, só acredito nas coisas que reconhecem seu contrário. Uma pessoa só sabe o que é a delicadeza depois de conhecer a brutalidade. Uma delicadeza que não reconhece a brutalidade é fake, pose, código de distinção, e não um estado que se alcançou e que se buscou. Daí a importância da errância, do trajeto. Daí o perigo de nos precipitarmos em conclusões apressadas e inevitavelmente capengas. E isso não é uma coisa à toa, essa é a origem do totalitarismo. Exemplo: homossexualismo é contra Deus. Resposta rápida, resultado nefasto: pode-se investir contra os homossexuais com o apoio da instituição telúrica que representa o poder de Deus, a igreja. Isso acontece muito nas Igrejas Universais da vida. Suprimir o trajeto é perigoso, muito. É a questão do estímulo eda resposta: prolongar o trajeto entre um e outro é uma forma de aprimorar a resposta, de torná-la mais satisfatória. A simplicidade que não reconhece a complexidade, a identidade que não reconhece a alteridade, tudo isso só pode degenarar em incompreensão e silêncio, e não se trata do silêncio do Antonioni, e sim do silêncio do Geisel. Não um silêncio pleno, um intervalo natural entre duas coisas, mas de um silêncio imposto, que suprime a possibilidade de inovação das coisas. Quanto à questão povo, é bom que a gente preste atenção no fato de que na grande maioria das vezes, sua simplicidade não é uma opção estética, mas o resultado da impossibilidade de um auto-cultivo. Não é uma liberdade, mas um cerceamento. Trazendo pra vida cotidiana, falo da galera que trabalha comigo. Muitos deles são inteligentérrimos, mas dedicam oito horas por dia a atividades inúteis, como ficar em pé na porta da livraria evitando que afanem os livros que deviam mais era liberar pra afanação. Isso fora três horas que gastam indo e voltando do trabalho. Têm um fim-de-semana por mês. Ganham em torno de 600 reais. E muitos, a maioria, bancam essa rotina desde bem novos: quatorze, quinze anos. Eles não têm muita oportunidade pra ir além de samba e futebol, quase nenhuma. E não falo da relação entre salário e valor de livro, enfim. Foi mal, galera, não queria pesar com esse discurso sociológico. Acho sociologia um saco, mas se a gente não prestar muita atenção nessas coisas, corre o risco de tratar equivocademente a idéia de simplicidade, tendo o povo como guia, lembrando sempre do povo, mas sem olhar nem por um instante pra ele. Tudo vira fetiche, uma coisa fria, distante e fragmentária. Todo mundo tem o direito de ter fetiches, tenho vários, mas acho que quando a gente traz eles pro nosso trabalho, acho que a gente deve manter eles sempre bem vigiados, pra que não assumam mais poderes do que lhes cabem. Ainda sobre a questão simplicidade/povão: vejo dois paradigmas na releção entre arte e cultura popular. Um é o Nelson Rodrigues, outro o Guimarães Rosa. Gosto do Nelson, o Vestido de Noiva é fodaço, mas na maioria da obra acho que ele trabalhou com o que no povo fecha: o moralismo, a neurose familiar. Já o Guimarães trabalhou com o que no povo abre, no que nele é criatividade, afinal de contas ele é a grande fonte mesmo. Seu escopo são as fábulas (não moralizantes, mas como paradigmas ficionais), a inovação linguística, a sabedoria de vida, outra coisa. Desabafei... Por enquanto é só. Beijos.

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