Fernando Rodrigues é carioca, mas não gosta tanto assim de praia.
Cursa a Faculdade de Letras da UFRJ e trabalha numa livraria,
atividades que ocupam demasiadamente seu tempo. Tem muitas dúvidas,
mas continua escrevendo poemas.
1.
uma nuvem faz rosto
aberra
a nuvem é bela
provavelmente porque não berra
porque não tem a possibilidade
assim como o rosto
a nuvem é bela
pois contingente
um balão frio é solto no ar
mimetiza a lua
uma corda o prende
frustra
um avião
provavelmente cheio de gente
passa entre os dois
pousa sem hesitar
harmonia-máquina
não vejo onde
a solidão faz turno
vivo num mundo azeitado
onde não há nada errado
o céu noturno já vem
nublado
ameno
amém
2.
dentro desse edifício abandonado
construo meu pequeno ethos prazeroso
em tempos de crise
isso não é impedimento
tiro o dinheiro da poupança
invisto em ações
mas hoje é sábado
não só há uma tensão inusitada
como também não perco nada
ação
catar feijão
cozinho pra cuidar do tempo
pra dar trato ao fluxo
catar feijão
etapa do
e no intervalo
tenho medo dos olhos não frontais
é terrível cair nas mãos do deus vivo
a maior dádiva alcançada
ubiquidade?
tentativa de
começo a soluçar
sintoma de um mecanismo sub-reptício
soluço
tambor implosivo
bom
mas em caso de carrapato
tetraciclina
penso
logo nada
minha sina
minha cabeça raciocina
e sem depender de mirada e mais nada
todos os devires foram comtemplados
a plenitude
é simplesmente inevitável
queria evocar um mito
mas não veio
3.
pra cantar a terra
basta falar
nem isso
quiçá calar
como machado
um instinto de nacionalidade
ampliado
pois chegou o tempo
da literatura universal
opa
espanto ameno
pois já no pré-lé-com-cré
o recém-nascido se faz perceber
inteciona
mas nada de intentona
aquém
e a natureza
nos meandros do não-além
contrapõe realeza
ao sem contrário
propõe exaustão
depois
não mais desconfiar dos leprosos
não envenenarão os poços
e ainda que volte a ser homem
a cada dia
valho
mesmo filho de pã
mesmo à base de valium ®
(diazepam)