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[aStro-LáBio]°² = [diáRio de boRdo]°²

o tempo de uma gaveta aberta
é o tempo de uso de uma gaveta aberta
é o tempo de uma gaveta em uso
agora fechada a gaveta guarda
o tempo para trás levou
e não volta mais: voou





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érica zíngano | francine jallageas | ícaro lira | lucas parente

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Exercício Esta é a primeira vez em que direi toda a verdade, eu acho bom você abrir bem os ouvidos porque eu estou muito cansada de falar comigo mesma e fingir que sou você e de conhecer-te os gostos e os chavões as opiniões e os minúsculos cantos. Eu penso demais em você todos os dias e sem exceção e eu vou pensar ainda por muito tempo talvez para sempre eu pense mas no que é que eu penso? Talvez passe logo, mas não interessa pois que minha palavra vale mais do que um milhão de memórias e é mais dura e verdadeira e plena. Durante todo o escritório, durante a cama, eu sonho também, nas noites sanguíneas em que encobre-se a lua de pudores e nas noites subseqüentes. De princípio recordam-se momentos excepcionalmente ternos ou excepcionalmente hediondos canções de amigos, diálogos inteiros as palavras em um grande loop kamikaze em que se distorcem esquecem e se reinventam sempre mais amargas, e depois o rosto, que quando visto explode o estômago cujos traços se encaixam em tudo e a tudo dão forma depois as costas que entrevêem os choques depois as vergonhas, que você houve amado, depois a voz de que me esqueço, os discursos que clamo e por fim o nome, que é teu sumo, o teu nome por fim é suficiente para perturbar-me as horas, para desconfiar que já não mais me reconhecerias na rua, para servir-me de conceito. E esta é a hora em que finalmente devo revelar ao mundo o nome o teu nome o nome que no meu estômago que cujas letras disparam-me hormônios el nombre em dourado dos convites das minhas únicas bodas possíveis o verdadeiro nome de Eva (já que Deus já tem nomes demais): my fucking loving baby, teu único nome possível my beloved one my pequeño trovão: teu nome impossível a verdade que me diz Krishnamurti e que te faz murchar em segundos dentro de mim: eu não consigo amar e essa incapacidade é o teu nome, é tudo sexo para o Krishnamurti, é tudo isto para mim. A verdade não revela nada, se é isto que esperava quando dormindo me esquecias tão bem que nunca desconfiaria que tão mal pensava em você as costas doendo de meditar errado e de fumar o cigarro Hilton. A verdade é esta voz que se localiza na minha garganta como o gás hélio, e tudo o quanto você tiver saco de ouvir e assim quero-te deixar alguns recados: que não te amo (porque faz-me bem dizer essa frase impossível) que não te quero mais há muito tempo (mas foi você quem foi embora o que é complicado de digerir) que detesto teus pés (o que é irônico demais, mas que digo em respeito à ironia que me apaixona às vezes e à qual não posso renunciar) e que o motivo pelo qual tudo isso se processa no meu estômago é a falta que sinto do mínimo que me deste, porque sou incapaz do máximo, porque o corpo de Krishnamurti é mais para os astros celestes cor de púrpura e cor de abóbora que para mim, porque não tenho quem abrace as minhas vergonhas melhor do que você nem pior do que você, e por fim que em breve eu vou embora para longe tendo-te engolido como a um caju e que te carregarei docemente pelas veredas que eu atravessar. So long. Dois dias de festas, dois dias inteiros fim-de-semana na praia tão longe lá no cabo frio. A praia de ondas clarinhas que quase não são ondas, dos peixes amigos e das mulheres formadas. Brigitte Bardot passou bem perto daqui, num cruzeiro num veleiro não sei mas com o corpo black&white dos nossos sonhos, e aqueles olhos que atravessam todas as películas e aquela voz que amedronta os defuntos sensíveis. Sozinho em casas de minha avó em casas de doces eu me retiro de meia hora da cidade em que vivo em que sempre viverei. E nado nas ondas clarinhas tentando ainda seguir o rastro do perfume de Brigitte Bardot, aquela irrepreensível loirinha que ama a todos os deslocados. O solário quente é um prêmio pelos meus belos serviços prestados, pelas tantas horas dedicadas à imensa verdade dos textos burocráticos. A conjuntura grotesca do meu ofício me diverte às vezes quando estou sozinho à uma da manhã em meu apartamento minúsculo e vejo meu corpo inexpressivo e nu e minúsculo porque eu não costumo ver televisão. Também no cabo frio ela me diverte, eu comprei um baseado na esquina e conheci duas francesas que viajam num veleiro, as minhas próprias Brigittes, que muito provavelmente nunca aprenderam a pronunciar o meu nome e se não já me esqueceram esquecerão num prazo de 3 dias. Mas eu sou muito solidário com francesinhas e eu nunca me esquecerei delas. Mimi e Pompom cruzaram o Atlântico e me encontraram na praia, minúsculo. A conjuntura grotesca do meu ofício não diverte quem já tenha experimentado dos medos e das visões do grandessíssimo Américo Vespúcio e do Vasco da Gama e dos homens todos de fé de coroa que nos possuíram. Eu imagino que o mar abrigue todas as contradições, das mais nobres às mais perversas, e os olhos baços azuis clarinhos de Mimi e Pompom já devem estar acostumados a elas. A praia não oferece caminhos, não exige conhecimento de causa e tem via de regra o céu mais bonito do mundo. Eu tomo um refresco de vinte centavos que agride a utopia naturalista dos homens brancos que gostam de índios, e espero sentado pelo dia em que as marolas do cabo frio se transformem numa descontrolável tragédia de proporções continentais. Eu sei que esse dia vai chegar, ainda que o sol a areia quentinha a restinga de Marambaia e os veleiros assanhados digam o contrário e provem o contrário e ilustrem o contrário. Porque o mar tem gosto de obturação, e os albatrozes preferem os mangues encharcados de esgoto as esponjas negras de que saem árvores sem folhas o petróleo a merda de lá de casa que nem eu. Aqui no cabo tem menos albatrozes que lá em casa, que no ao lado de minha casa mas o que eu vim fazer aqui? Quando eu voltar eu vou desligar o registro de gás agora que minha avó morreu e que a casa não tem mais ninguém, mas eu fiquei dois dias. Dois dias todos os dias eu ligo para o colégio Santo Antônio e verifico que você está na aula e que portanto seria impossível encontrar-te aqui, eu ligo do orelhão de quando você desce a rua Presidente Pedreira, que fica atrás da padaria Santo Amaro e ao lado de um grande pé de jurubeba. Dois dias de festas, passaram voando, o dono da padaria Santo Amaro se lembra de mim, eu que desde há tanto não o via ele deve estar mentindo. Diz que sim, que se lembra de mim nu e criança de quando passei dias doentes em cabo frio, eu tive tuberculose uma vez. A minha avó cuidou de mim e agora ela morreu a água está tão quentinha, meu deus, que pecado. Até a cintura, até o pescoço, até as orelhas, cada vez menores as loirinhas isso já deve ser mais de quatro horas. Já faz frio, eu ainda tenho de desligar o registro e voltar para la cité. Os meus pés estão enrugados e rosados, e é boa a disposição biológica que sinto para cumprir com o expediente, pra variar. Meu ônibus sai às sete. É hoje uma terrível segunda-feira de maio são cerca de seis da manhã a janela da minha casa dá para um morro sobre o qual paira uma turba oleosa de fumaça sobre a qual voam pássaros gordos sobre os quais ergue-se a aurora. Como eu gosto dos galos da periferia como eu gosto do café sem doce! A janela do apartamento de frente está iluminada e pelas cortinas amarelas evidencia-se uma silhueta charmosa, mas quem diabos é charmoso a essa hora? Eu vejo também um pátio enorme de jogos de crianças e instalações elétricas, e uma rua pequena e um pedaço de mar. Eu estou pensando em ir embora como o meu pai foi embora da cidade dele e chegou aqui e morreu aqui. Eu nunca soube porque o meu pai veio para cá mas eu não agüento mais aqui. Quem me dera poder dizer ao menos que in this room the hours of love still make shadows mas não houve amor algum pode até ter havido mas foram bilhões de horas de modo que eu naturalmente me esqueci. Ai eu também odeio o cabo frio acho que hoje não vou trabalhar talvez eu saia pra comprar café o clima está tão gostoso, as ruas nubladas o anúncio de uma garoa que nunca vai cair, eu acho que só preciso de um pouco de paz. Tendo tentado meditar, tendo tentado fumar, tendo tentado ver o Sol, adormeci e sonhei com toda a história de meu finado pai. (Padrecito) Aluga-se tratar com pamonha gasolina gás injeção 45km para, capas p/ sofá, peças para automóvel para automóvel peças para automóvel No posto de gasolina o cheiro de esterco comida e queimado, me deixam fazer a minha primeira ligação enquanto os meninos sentam no balcão para ver a novela das seis, oh my god. Eu não tenho para quem ligar nem o que dizer, eu sento no balcão também de mãos atadas e ninguém olha para mim. Estou feio e sujo, tão sujo, sou só sebo a pele começa a se soltar dos ombros a virilha coça o rosto brilha o fedor de dias eu ostento como uma digna novidade a todos os novatos que têm a idéia de me falar (“tão magro, pobre! quer um pão? te pago um pão amigo, pão e café” “sou magro de triste” “arruma ocupação pensa em ti” “sou magro há tempos” “não há dia que não seja belo! vem que te pago um pão!” “sou magro de família”). Pela lei da fome pela lei do homem nunca mais vou ver my baby e me enviam de carreta ao coração das trevas. Para cada vez que penso cada mísero detalhe que me ocorre a cada um e são demais eu arranco um fio de cabelo, para cada vez que penso em (mendigo cabeludo não faz carreira). Eu atiro a cabeça na janela do camburão e sonho com as mocinhas da beira da estrada, com seus pescocinhos queimados com suas saias de malha, debaixo de anúncios e placas me olham com medo, estou só de passagem. São tantos os dias é impossível pensar nesse calor as minhas mãos atadas por deus, tudo que eu peço é de volta a graça do tédio, de que me privou o crime. As horas vagas do campo cerrado o carro sobe e desce veraneio velha, meus olhos não abrem é impossível pensar com tanto sol, veraneio velha, eu arranco um fio de cabelo com o dedo mindinho da mão atada à outra e bato com o cocuruto no teto, veraneio. São tantas as horas, o castigo é mordaz, de olho apertado o bigode coçando o cheiro de pólvora do calibre do inimigo, a fumaça que sai do cano do carona tem o meu signo e a minha bênção, e para cada preá morto de jogo por meus capatazes eu tenho de arrancar mais de vinte cabelos. Nunca tive paciência para bichos nem para crianças, sou escorpiano do dia dez, gosto do cigarro Hilton e meu deus, o sol depôs a minha retina queimada o olho vermelho duro seco eu vejo tão pouco um único ponto embaçado onde decodifico as cores do céu e dos anúncios da estrada, deste céu estrangeiro que não ilumina my baby. Eu me descolei da vida como uma cigarra que abandona o esqueleto. Atirado na terra, a garganta e os ouvidos cheios de terra, eu ouço os sons da velha casa, as mãos cravadas no chão eu sinto entre os dedos as formas domésticas, do seu corpo estragado. As gargalhadas dos velhos, saídas de entranhas tradicionais e ariscas, de entranhas que nunca viram a luz resistem há tento sem qualquer retorno efetivo, as gargalhadas cessam com o tempo mas eu jamais voltarei (e vê-la). Caído no chão o único argumento é o pulso insistente das minhas próprias entranhas, estas sim ansiosas pelo dia e pelo mundo, de tanto me ouvirem ruminar as suas maravilhas, pobres não sabem que este mundo não é mais o mundo de my baby. Jogado na terra, à margem da metrópole eu compro seu carro compro ouro pamonha gasolina capas p/ sofá trago de volta a pessoa amada amanhã em 3 dias em 3 dias 33 dias 3 dias 333 jogado na terra não há onde ir de que se riem os desdentados? Eu não entendo nada eu entendo tão pouco eu venho de longe eu sou magro gosto do cigarro Hilton eu solto pipa na rua de terra, faz tanto tempo e eu arranco um fio de cabelo. Eu chego assim em corpo aos subterrâneos me aguardam as cigarras debaixo da terra, no frescor da terra, pela hora de voar, eu me torno mais feliz quando retorno (mas para que, mas para onde?). (de se Mimi e Pompom houvessem conhecido meu nobilíssimo pai) Para cá, sincero gajo. Para o outro lado do mundo, para o mais longe que houver. Atravessando o mar, cortando a terra, escrevendo um poema para os nossos olhos iguaizinhos, azuizinhos calminhos que quase não são olhos. Para os nossos olhos que são portais só para ti, my baby. Soy loco por ti nós duas, e não ligamos para os seus eventuais pecados, nós gostamos de pecadores porque deus está conosco e com a nossa inacreditável coincidência. Vem conosco que os teus filhos herdarão a sua paranóia e os teus cabelos escassos e a sua inacreditável virtude do esquecimento. E herdarão o nosso amor e os nossos filhos, que terão nossos olhos e nascerão para fora, como carneiros, já haverão a capacidade do amor e do desprendimento. Viajando não teremos tempo pra pensar em ti.

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