Pesquisar este blog

[aStro-LáBio]°² = [diáRio de boRdo]°²

o tempo de uma gaveta aberta
é o tempo de uso de uma gaveta aberta
é o tempo de uma gaveta em uso
agora fechada a gaveta guarda
o tempo para trás levou
e não volta mais: voou





para chegar até lá, siga a seta vermelha:

ctrl + c -> aeromancia.blogspot.com -> ctrl + v -> barra de endereços -> enter



érica zíngano | francine jallageas | ícaro lira | lucas parente

domingo, 26 de setembro de 2010







Maria Tereza Horta



Como em Fulgor (1)

Tacteio à minha
volta
e é só fulgor
Tento deslumbrar
o sol que cega
Demoro-me demasiado
no calor
Para a minha sede
Nenhuma água chega



 Segredo (3)


Não contes do meu

vestido
que tiro pela cabeça
nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa 
deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço
Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar
nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar



Modos de amar 


Modo de amar – I

Lambe-me as seios
desmancha-me a loucura

usa-me as coxas
devasta-me o umbigo

abre-me as pernas
põe-nas nos teus ombros

e lentamente faz o que te digo:

Modo de amar – II

Por-me-ás de borco,
assim inclinada...

a nuca a descoberto,
o corpo em movimento...

a testa a tocar
a almofada,
que os cabelos afloram,
tempo a tempo...

Por-me-ás de borco;
Digo:
ajoelhada...

as pernas longas
firmadas no lençol...

e não há nada, meu amor,
já nada, que não façamos como quem consome...

(Por-me-ás de borco,
assim inclinada...

os meus seios pendentes
nas tuas mãos fechadas.)

Modo de amar – III

É bom nadar assim
em cima do teu corpo
enquanto tu mergulhas já dentro do meu

Ambos piscinas que a nado atravessamos
de costas tu meu amor
de bruços eu

Modo de amar – IV

Encostada de costas
ao teu peito

em leque as pernas
abertas
o ventre inclinado

ambos de pé
formando lentos gestos

as sombras brandas
tombadas no soalho

Modo de amar – V

Docemente amor
ainda docemente

o tacto é pouco
e curvo sob os lábios

e se um anel no corpo
é saliente
digamos que é da pedra
em que se rasga

Opala enorme
e morna
tão fremente

dália suposta
sob o calor da carne

lábios cedidos
de pétalas dormentes

Louca ametista
com odores de tarde

Avidamente amor
com desespero e calma

as mãos subindo
pela cintura dada
aos dedos puros
numa aridez de praia
que a curvam loucos até ao chão da sala

Ferozmente amor
com torpidez e raiva

as ancas descendo como cabras
tão estreitas e duras
que desarmam
a tepidez das minhas
que se abrem

E logo os ombros
descaem
e os cabelos

desfalecem as coxas que retomam
das tuas
o pecado
e o vencê-lo
em cada movimento em que se domam

Suavemente amor
agora velozmente

os rins suspensos
os pulsos
e as espáduas

o ventre erecto
enquanto vai crescendo
planta viva entre as minhas nádegas

Modo de amar – Vl

Inclina os ombros
e deixa
que as minhas mãos avancem
na branda madeira

Na densa madeixa do teu ventre

Deixa
que te entreabra as pernas
docemente

Modo de amar – VII

Secreto o nó na curva
do meu espasmo

E o cume mais claro
dos joelhos
que desdobrados jorram dos espelhos

ou dos teus ombros os meus:
flancos
na luz de maio

Modo de amar – VIII

Que macias as pernas
na penumbra

e as ancas
subidas
nos dedos que as desviam

Entreabro devagar
a fenda – o fundo
a febre
dos meus lábios

e a tua língua
Vagarosa:

toma – morde
lambe
essa humidade esguia

Modo de amar – IX

Enlaçam as pernas
as pernas
e as ancas

o ar estagnado
que se estende
no quarto

As pernas que se deitam
ao comprido
sob as pernas

E sobre as pernas vencem o gemido

Flor nascida no vagar do quarto

Modo de amar – X

A praia da memória
a sulcos feita
a partir da cintura:

a boca
os ombros

na tua mansa língua que caminha
a abrir-me devagar
a pouco e pouco

Globo onde a sede
se eterniza
Piscina onde o tempo se desmancha
a anca repousada
que inclinas
as pernas retezadas que levantas

E logo
são os dentes que limitam

mas logo
estão os labios que adormentam
no quente retomar de uma saliva
que me penetra em vácuo
até ao ventre

o vínculo do vento
a vastidão do tempo

o vício dos dedos
no cabelo

E o rigor dos corpos
que já esquece
na mais lenta maneira de vencê-los

Modo de amar – XI
((Teu) Baixo ventre)


Nunca adormece a boca no
teu peito

a minha boca no teu baixo
ventre
a beber devagar o que é
desfeito

Modo de amar – XII
(Os testiculos)


Tenho nas mãos
teus testiculos
e a boca já tão perto

que deles te sinto
o vício
num gosto de vinho aberto

Modo de amar – XIII
(As pedras – As pernas)


São as pedras
meus seios
São as pernas

pele e brandura
no interior dos
lábios

rosa de leite
que sobe devagar
na doce pedra
do muco dos meus lábios

São as pedras
meus seios
São as pernas

Pêssegos nus corpo
descascados

Saliva acesa
que a língua vai cedendo

o gozo em cima...
na pedra dos meus
lábios

Jogo do corpo
a roçar o tempo
que já passado só se de memória,
a mão dolente
como quem masturba entre os joelhos...
uma longa história...

Estrada ocupada
onde se vislumbra
(joelhos desviados na almofada )

assim aberta o fim de que desfruta
o fruto do odor
o fundo todo
do corpo já fechado.

Modo de amar – XIV
(As rosas nos joelhos)


São grinaldas de rosas
à roda
dos joelhos

O âmbar dos teus dentes
nos sentidos

O templo da boca
no côncavo do espelho
onde o meu corpo espia
os teus gemidos

É o gomo depois...
e em seguida a polpa...

o penetrar do dedo...
O punho do punhal

que na carne enterras
docemente
como quem adormenta
o que é fatal

É a urze debaixo
e o fogo que acalenta
o peixe
que desliza no umbigo

piscina funda
na boca mais sedenta bordada a cuspo
na pele do umbigo

E se desdigo a febre
dos teus olhos
logo me entrego à febre
do teu ventre

que vai vencendo
as rosas – os escolhos
à roda dos joelhos, docemente.

Modo de amar – XV
(A boca – A rosa)


Entreabre-se a boca
na saliva da rosa

no raso da fenda
na fissura das pernas

Entreabre-se a rosa
na boca que descerra
no topo do corpo
a rosa entreaberta

E prolonga-se a haste
a língua na fissura
na boca da rosa
na caverna das pernas

que aí se entre-curva
se afunda
se perde

se entreabre a rosa
entre a boca
das pétalas

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

5

prometi a mim mesmo que hoje não escreveria, só leria. li muito e não agüento. cá estou aos oitenta e de vista cansada, bagos frouxos, boca murcha.um excesso de hilda é que me empresta os bagos. perco pudores que ainda restam com hilda que é baixa e suja agora.sofro duma incontinência literária, breve uma urinária me aguarda por suposto, e não bem com escatologias mas é a tentativa de tragar tudo quanto engulo, deglutir tudo quanto cabe numa boca de dente pouco mas sempre insisto em ser em mim, uma tristeza, uma bosta. descobri que segurar o texto um muito é como um orgasmo (mesmo velho e macambúzio gozo) quando depois duma certa espera, vem maior.tenho preferência por ninfetos ágeis e esguios no botão da idade e que me lembrem a mim quando no mesmo tempo posto que é como voltar e pudesse voltava, velho e cansado só por circustância. seduzo velhinhas, faço um sucesso fodido no dentadura-sport-club vulgo bolero-de-terceira-idade . como as velhas por certa verve geni e os ninfetos por gosto, justos. nifetos são mais difíceis e velhas são viúvas e carentes mas isso não importa. o jornal me andou falando e a rádio e os livros. Todos agora falam com velhos, uma crise qualquer na consciência social por marginalizar a velharia e iniciam justo no meu calo, uma tristeza.queria escrever pra todos mas são tantos e nem poderia, uma coleção extensa de pendência em cartas, uma centena que devo ao mundo e só posso responder da minha melhor maneira, escrevendo assim num modus operandi obliquo que leva já toda uma vida e digo isso aquela dos sapatos de crochê pra nenês “e porque que o mundo ia falar com você?”não sei mas falou, agora deve já ter desistido e eu que vejo mais além. velho e paranóico. escrevo desde os cinqüenta e nove quando houve o acidente e perdi uns bons três centímetros da perna esquerda. É por aí, velho e manqueta. todos os dias me debruço no umbigo e vou repuxando uns cordões umbilicais pelo quarto todo até estar teia tétricofágica, fagossimbiótica com mundo de eu do mundo, uma nojeira.Escrevo tratando as palavras na chinela, faço de brinquedo e desentranho elas dos confins de nem-sei-lá e das palavras dos murais do mundo. é de ficar tão à vontade que erro com eram mesmo e vai tudo torto pra ser lido, mas não é pra ser lido é pra ser engolido que escrevo e que erro. velho e ruim de hortografia. engulo tudo quanto me passa pela frente e depois me vão dizer que é sem critério, mas vomito tudo e só depois posso ver e gosto é como rabo já se diz por aí, sendo assim não me fodas ora porra, pois sim, velho e glutão. vou de Brasília pela rua escura de velho e notívago que sou, um porre ao volante e tento ando na rua que até me sabem as putas pelo nome e fazendo charadas sobre o que eu havia dito de amarelinhas e dor na lombar, sempre velho e vadio vou. escrevo na primeira pessoa pra primeira segunda terceira e quarta. tudo sempre de quinta. e me vem dizer que faço diários. mas diários não, minha vida passa mas literatura resta, sabes? expurgo qual pus e tudo que me sai desde a tal data é letra. “velho e fazendo diários” mas diários não, filhas da puta. posso até xingar, adoro a hilda. velho e transgressor só porque me atraso horas, anos. até transgredir é coisa de velho, vê? lhe diga o oiticica que só não ficou velho porque morreu de tanto bacon antes. Sonho com cavalos e centauros dum texto dum cara vivo tal renan e acordo de pau à pino ainda que velho, o que deveria ser um ponto alto, mas depois me vão dizer perverso. velho e velhaco.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

4

Nas adjacências da casa é que me perco. Me deixo girar quarteirões ao acaso como se pudesse afinando um movimento concêntrico, descrevendo espirais anguladas com os passos, propor um cerco à ser gradualmente refinado. Até que se possa girar o entorno da casa e ir parar à porta. Até que se possa girar o entorno dum corpo dentro da casa. Observo os 360 graus que descrevo em torno do corpo e o refinamento vem afinando em pormenores;

As calçadas, as fachadas, o asfalto, as árvores, os outdoors

A raiz da árvore descolando cimento ou asfalto, o panfleto do templo de iemanjá, a ranhura no paralelepípedo que é divisa entre calçada e rua, o neon do câmbio change piscando numa vitrine, as flores feias dum arbusto de espinhos à direita.

A porta da casa e janela entreabertas e o reboco frouxo de ambas, a tinta amarelida de tinta grossa indício de demãos anteriores, as rachaduras da pintura de cal nas paredes da casa, a jardineira fula de mato espesso cheirando abandono, os degraus de mármore cinza-rajado craquelando que antecedem a porta.

O corpo, atenção ao sinuoso da coluna, os olhos calmos de quem se sabe objeto de estudo, o risco no cenho acima do olho esquerdo, a barba e bigode escuros quase negros, os dedos longos e afoitos a boca entreabrindo e mordiscando um lábio inferior vermelho, os cabelos sujos pregados à testa alta de idéia solta e o esguio do corpo de pouca carne.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

anatomia da musa, josé paulo paes

http://www.flickr.com/photos/flofloto2007/

o encontro inesperado do diverso

|





pág 13
(...)

      a minha vida é como essa luz que deixa passar claridade para o outro aposento. por isso, é conforme a este dia, ao outro, ao dia seguinte,
e produz semelhança, sem o ónus da monotonia. tenho a sensação de deixar espalhados  pela casa, e pelos móveis,
pedaços simples de textos livres que, de antemão, nunca serão um livro.
      encontrei este escrito ontem, depois de ter lavado a loiça:_______________________ abriu-se uma chaga no pé de eleanora;
uma ferida de amor que ela lê como sinal de que está pronta para se levantar,
pousar o bordado com o desenho do falcão,
e partir. " o pano que bordo, doz-me ela, é a parte mais leve dessa ave. distingo nitidamente vários pontos da realidade.
descubro, ao abrir a porta da despensa, que a arte de fazer-me mulher é deixar crescer, na minha sombra, o meu outro igual de poder.
Luís M diz-me no amor; " dá-me a tua vontade, que eu te darei a força".
olho-me ao espelho, e se o seu reflexo me mandasse reiniciar o bordado ________________.
     "sabes quem é o falcão?", interrompo-a.não me ouve, e responde-me que deve esperar o amor, que são diferentes os ritmos do sono e mutáveis os rostos do amor.
     uma ansiedade tranquila toma-nos de cima, e alguém nos vem chamar; "são horas de jantar" . eleanora ri. " são horas de jantar, ou de partir para quem amo?"





llansol, maria gabriela
lisboaleipzig 1

domingo, 19 de setembro de 2010

144


 
         Depois dos dias todos de chuva, de novo o céu traz o azul, que escondera, aos grandes espaços do alto. Entre as ruas, onde as poças dormem como charcos do campo, e a alegria clara que esfria no alto, há um contraste que torna agradáveis as ruas sujas e primaveril o céu de inverno baço. É domingo e não tenho que fazer. Nem sonhar me apetece, de tão bem que está o dia. Gozo-o com uma sinceridade de sentidos a que a inteligência se abandona.
         Passeio como um caixeiro liberto. Sinto-me velho, só para ter o prazer de me sentir rejuvenescer.
         Na grande praça dominical há um movimento solene de outra espécie de dia. Em São Domingos há a saída de uma missa, e vai principiar outra. Vejo uns que saem e os que ainda não entraram, esperando por alguns que não estão vendo quem sai.
         Todas estas coisas não têm importância. São, como tudo no comum da vida, um sono dos mistérios e das ameias, e eu olho, como um arauto chegado, a planície da minha meditação.
         Outrora, criança, eu ia a esta mesma missa, ou porventura à outra, mas devia ser a esta. Punha, com a devida consciência, o meu único fato melhor, e gozava tudo - até o que não tinha razão de gozar. Vivia por fora e o fato era limpo e novo. Que mais quer quem tem que morrer e o não sabe pela mão da mãe?
         Outrora gozava tudo isto, por isso é só agora, talvez, que compreendo quanto o gozava. Entrava para a missa como para um grande mistério, e saía da missa como para uma clareira. E assim é que verdadeiramente era, e ainda verdadeiramente é. Só o ser que não crê e é adulto, com alma que recorda e chora, são a ficção e o transtorno, o desalinho e a lajem fria.
         Sim, o que eu sou fora insuportável, se eu não pudesse lembrar-me do que fui. E esta multidão alheia que continua ainda a sair da missa, e o princípio da multidão possível que começa a chegar para entrar para a outra - tudo isto são como barcos que passam por mim, rio lento, sob as janelas abertas do meu lar erguido sobre a margem.
         Memórias, domingos, missas, prazer de haver sido, milagre do tempo que ficou por ter passado, e não esquece nunca porque foi meu… Diagonal absurda das sensações normais, som súbito de carruagem de praça que soa rodas no fundo dos silêncios ruidosos dos automóveis, e de qualquer modo, por um paradoxo maternal do tempo, subsiste hoje, aqui mesmo, entre o que sou e o que perdi, no antero olhar de mim que sou eu…





Bernardo Soares - Livro do Desassossego

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

 Ps. 

"Todas as personagens de Tchekhov tropeçam nas pedras porque não
conseguem tirar os olhos das estrelas" (Nabokov)





domingo, 12 de setembro de 2010

Entre a constelação e a nebulosa : passagens :

 

Ansié la dispersión de las duras constelaciones, esa súcia propaganda luminosa del Trust Divino Relojero. (Julio Cortázar, Rayuela, cap. 67).

 

Trechos d’Un livre blanc (Philipe Vasset) :

...

Je m’abandonnis alors au plaisir d’être nulle part, m’imaginant pour quelques heures soustrait à l’emprise de la surveillance urbaine et savourant, au milieu des ordures et des herbes folles, un paradoxal sentiment d’intimité et de confort. Puis, déterminé à ce que quelque chose apparaisse, je revenais, parfois à chaque visite les modifications du paysage et les retraits et les avancées de la ville, qui déferlait sur les friches comme la mer sur l’estran. (95)

 

[…]

 

J’étais dans les zones blanches comme avant le surgissement du texte, dans un grand vide où rien ne se fixe, où les expressions les plus contradictoires passent et repassent sans interférence et, au lieu de chercher à m’en extraire, je me complaisais dans cette languide plénitude infra-langagière, retardant au maximum le moment où un concept, une intuition finirait par polariser la langue. (101)

 

[…]

 

(les cuves, silos et autres châteaux d’eau sont le reflet inversé des zones blanches : visibles à des kilomètres, ils restent malgré tout fermés, opaques et mystérieux, alors que les terrains vagues, imperceptibles sans le filtre de la carte, s’offrent sans difficulté une fois localisés. Réservoirs et friches pourraient constituer les parties émergées d’une même entité, une poche souterraine d’histoires et de noms dont la masse gonfle et creuse le paysage). (109)

 

[…]

 

Mais, tandis que je progressais, des brèches s’ouvraient en enfilade, des bâtiments entiers, des rues, apparaissaient puis disparaissaient, et partout se glissaient des ombres furtives : c’etait comme si j’avais trouvé les aires où la ville se vaporisait, chacun de ses éléments devenu si léger qu’un souffle le dissipait. Les façades, les mobiliers et les silhouettes voletaient comme des cendres au-dessus d’un foyer, puis, d’un coup, tout retombait, et il n’y avait plus que des débris noircis. 

 

Certaines villes étaient plus propices que d’autres à de tels phénomènes : le dessin de Gennevilliers, de Clichy, de Saint-Ouen, d’Auverbilliers, de La Courneuve et de Pantin fluctuait comme un réseau d’ombres projetées sur le sol par des branches d’arbres. Paris, en revanche, apparaissait couvert d’une couche interrompue de bâti, sans interstices entre les immeubles, les boutiques, les parkings, les centres commerciaux, et les rues piétonnes. La ville ressemblait à son plan : un agrégat de carrés et de rectangles diversement colorés et labellisés en gros caractères (« C’est désormais la carte qui […] engendre le territoire » - Jean Baudrillard, Simulacres et simulation). (121)

 

[…]

 

Je ne supportais pas cette image d’une cité totalement balisée, sans jeu entre les diverses constructions, d’un monde où l’on sait toujours où l’on est. Comme un volcan grondant au fond de la forêt, il faut que, quelque part dans la ville, il y ait un endroit où sourd l’inconnu. C’est pourquoi j’aime tellement Jules Verne : chaque personnage des Voyages extraordinaires lutte de toutes ses forces contre l’idée d’un monde fini qui ne ferait que dérouler des motifs déjà vus cent fois.

 

Comme eux, je n’arrivais à accepter l’image que me présentait le plan, celle d’un Paris uniformément construit, bloc grisé qu’aucune fissure n’entamait. Ce n’était plus une ville mais une maquette : qui vivait là ? (123-124).

 

[…]

 

Je rêvais de villes à la trame mitée, comme Rome et Berlin, où subsistent encore, près de la via di Bravetta et sur l’Orianenburgerstrasse, des friches gigntesques, ou encore de Johannesburg, irrégulièrement perforé de profonds puits de mine. J’imaginais quel quartier, quel monument pourrait être avantageusement remplacé par un terrain vague : l’Opéra (pas Garnier – ses toits offrents un exceptionnel terrain de jeu –, mais Bastille) ? Le Sénat, l’Assemblée nationale ? L’île Saint-Louis (tentant : on ne laisserait debout que Notre-Dame et la Saint-Chapelle, dont les tours, au bout de quelques années, émergeraient d’un indescriptible fouillis végétal) ? Le XVIe (mais c’est déjà un désert) ? L’Arc de triomphe, ne serait-ce que pour le plaisir rompre la perspective grandiloquente Concorde-Étoile-Défense ? Rive gauche, on raserait l’Académie française, les Invalides, l’École militaire et la plupart des ministères en bord de Seine, ne laissant dans l’herbe que quelques sections de corniches dorées et des morceaux du dôme de l’Institut. Les Halles, le front de Seine et de La Défense seraient intégralement vidés de leur population salariée et les bureaux, laissés en l’état, ouverts au public : on interdirait, sur ces sites, toute nouvelle implantation d’entreprises ou de commerces. Enfin, à l’image de la tour Saint-Jacques, jamais aussi belle que depuis qu’elle est intégralement recouverte d’échafaudages, des réseaux de poutrelles de métal serrées viendraient masquer certains monuments, tels le Panthéon et l’Obélisque. (126-127).

 

[…]

 

Terrains d’excursions balisés, les jungles, les déserts et les montagnes ont cessé d’être des terra incognita : la frontière du monde connu passe désormais aux portes des villes. Les mégalopoles s’indifférencient sur leurs marges, et les zones blanches sont les avant-postes de cette transformation, les points par  où Paris, Lagos e Rio communiquent come les bassins d’une écluse. Un double mouvement rapproche les grands centres urbains : à l’internationale, grossièrement mise en scène, des sièges sociaux et des salons VIP répond celle des terrains vagues et des bidonvilles, zones poreuses, reliées entre elles par un réseau de correspondances fines comme des vaisseaux capillaires et qui peuvent permettre de voyager sans bouger. (130-131).

 

[…]

 

Un malaise finit par nous gagner, mélange de mal de mer et d’illusion d’optique persistante, et, pour le dissiper, on fixe son regard sur un détail jusqu’à le voir effectivement changer. Rien ne se passe, et quand, de guerre lasse, on détourne les yeux, c’est encore un nouveau panorama. (132)

...

<<<...>>> 

...

obs:

 

As areias do deserto e as águas do mar, o espelhismo e o marear-se, ambos ejôos diante da permanente mudança que é também monotonia (tudo azul, tudo amarelo e azul). Parece que hoje ensaiamos a possibilidade de cartografar o imapeável (cartografia videográfica ?), de habitar o inhabitável (informática difusa ?), ainda que continuemos buscando um ponto de referência, um detalhe, uma linha de fuga onde possamos ancorar um tímido principium individuationis. E neste sentido algo me diz que paulatinamente passamos da sensação de exílio (da nostalgia de um paraíso perdido, das grandes representações) a outra coisa, algo novo, um elogio do território-fronteira, da dispersão, de um ser passageiro, de um constante depaysement.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

49

existem os posts grandes e existem os posts crosmonáuticos.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Grupos armados intensificam saques e estupros coletivos no Congo

Agência AFP
LUVUNGI - Os grupos armados multiplicaram nas últimas semanas os ataques contra o território isolado de Walikale, leste da República Democrática do Congo, aproveitando a densidade da vegetação, a falta de estradas e a fragilidade da rede de comunicações.
Rebeldes hutus das Forças Democráticas de Libertação de Ruanda (FDLR) e suas milícias aliadas locais Mai-Mai cometeram estupros e saques sistemáticos em Luvungi durante quatro dias no final de julho e início de agosto.
Luvungi se encontra a 70 km a nordeste de Walikale, principal cidade do território, a única rota que leva a Goma, a capital provincial.
Na selva que domina quase todo o território, os membros do FDLR e do Mai Mai têm suas bases, de onde lançam ataques contra os povoados situados à margem das estradas.
Num dos ataques mais violentos, em 30 de julho, os grupos saquearam e estupraram 284 mulheres em Luvungi. Só depois de mais de um mês essas mulheres puderam narrar o horror vivido na madrugada do ataque a este povoado de 2.160 habitantes.
Em grupos de sete homens, os rebeldes invadiram as cabanas de barro seco, agrediram e afugentaram os homens e, em seguida, começaram a procurar por ouro, chegando a revistar as partes íntimas das mulheres para ver se não estavam escondendo o metal precioso. Em seguida, deram início ao estupro coletivo diante do olhar apavorados das crianças.
"Eles tiraram minha roupa, me jogaram no chão e disseram que havia chegado minha hora de morrer", contou Anna, uma octogenária que foi estuprada por quatro homens. Ela teve dois dedos cortados a machado.
No total, 284 mulheres e menores - de 13 a 80 anos - foram estupradas nessa noite em Luvungi.
12:38 - 08/09/2010
http://jbonline.terra.com.br/pextra/2010/09/08/e080916787.asp 



segunda-feira, 6 de setembro de 2010

le film blanc (2)

ele vai aos terrenos baldios e colhe objetos encontrados. um jet de spray, um saco com latas dentro da validade, um jeans maltranformado em short, etc. decide  então começar a colher a própria terra do lugar. junta e classifica os grãos por garrafas de plástico que alinha sob a janela do estúdio. um dia chega em casa e encontra ela deitada no chão. ao seu lado uma pintura e uma garrafa aberta. tinha usado como pigmento uma das terras que, por ter sido encontrada ao lado de uma fábrica de tinta chinesa, era tóxica e negra. o quadro era figurativo quase abstrato. fumaças e horizontes da subúrbia.
2 - entra no aeroporto e passa pelos detectores de metal. perguntam pelo conteúdo daquela garrafa. explica que é terra de saint-denis. que não poderia ser estúpido o suficiente para levar cocaina negra numa garrafa de água com gás. arma-se uma pequena confusão. especialistas. análise. quando entra no avião já é sob o som dos autofalantes que procuram por um passageiro desaparecido. 

sábado, 4 de setembro de 2010

primeiras linhas à Dominique Cotrezz

Os sapatos grudados nos pés suspensos descem ao chão. O corpo levanta e a cada passo a madeira range. A mãe não acordou, não acaba de acordar. Nunca acorda. A mãe levanta muitas vezes aos dias, às noites. Caminha. Na cozinha o café frio volta ao fogo e do fogo vai à boca. O estômago arde. As pupilas diminuem de tamanho enquanto os olhos crescem. Mais despertos, mais precisos, entre pálpebras que agora se espremem, os olhos avançam em direção ao filete de mata e escuridão que se deixa ver através da fenda que se abriu na tela verde coberta de carcaças de mosquitos enredados sempre pouco antes que atravessassem a minúscula janela. Fazer a ronda se já é noite, dar a volta na casa com as lanternas presas às mãos e ao topo da cabeça envolta por barbantes e elásticos gastos, para em seguida retornar ao quarto, suspender o corpo na cama, olhar o teto, prestar atenção aos ruídos. Hoje não ouve as cigarras: um ou outro galho de árvore despenca, folha, mariposa, morcego, algo cai na laje e ressoa nas paredes do cômodo. A mãe levanta. Caminha. Com sua ajuda, o tronco de árvore deitado detrás da porta de entrada rola para o centro da sala. A mãe abre a porta e ilumina o entorno, a neblina oculta a noite, a folhagem ao longe. A mãe pouco avança, solta as lanternas dentro dos bolsões do colete e recolhe um pássaro ferido antes de pisá-lo. A água que lava o pássaro escorre enferrujada pela banheira. Terra, sangue, o ralo engole o líquido viscoso e amarronzado. As asas, a mãe enlaça com elástico. Contra o sentido da plumagem, arrasta as unhas, todos os dedos, a mão em garra, esfrega a ave, até encontrar a ferida. A mãe mira-lhe os olhos perdidos, ainda vibrantes de dor. Na pequena abertura por onde vaza o sangue da ave, o dedo indicador roça, roça sempre mais firme, até atingir o lado de dentro. Com a ajuda de outro dedo, e de mais outro, logo a mão está inteira enterrada dentro do pássaro. Olha-o nos olhos uma vez mais e já não os vê sofrer. Já não reagem. A mão abre agora o corpo do pássaro, reparte-o em dois.

Os braços pesam até penderem da mesa, balançam a sonolência à altura das coxas, até que a mãe levanta e caminha. Os pratos, as colheres, a panela e as taças, em pilhas, voltam para a cozinha, desarranjam-se dos braços do homem para dentro da pia. No banheiro, todas as roupas se acumulam no chão, o homem despido urina e se larga na banheira enquanto a água cobre-lhe o corpo. Da cabeça recostada o ar sai cada vez mais ritmado, as pernas amolecem primeiro e depois o corpo todo aos poucos escorrega adormecido. Quando o nariz é invadido pela água o homem deixa repentinamente a letargia e o banho. Recupera do chão o mesmo casaco de lã que antes amontoou e ainda molhado cobre com ele os braços, as costas, à altura da virilha. Os vapores do banheiro se dissipam lentamente. Ao meio da sala repousa o tronco de árvore que costuma trancar a porta, o homem agora senta-se sobre ele, à espera da mãe. Quando o sol de meio dia já aquece a casa e a madeira do velho mobiliário estala alternadamente pelos cômodos, a porta de entrada volta a se abrir. Um gato do mato atravessa a soleira enrolado ao pescoço da mãe. As mãos da mãe seguram, cada uma, duas de suas patas. Sempre com o gato envolto no pescoço a mãe caminha. Atravessa a sala, percorre o quarto em torno da cama, caminha impulsionada pelo piso que ressoa aos seus passos, até se deixar levar para a cozinha.

le film blanc

quedarme saltando la rayuela mientras las manifiestaciones anti-sarkozy. entre el tabaco, la taza de café, el zumo de naranja, los cuartetos de mozart, la chaqueta porteña, el cuaderno, el nuevo boli negro de estimación, los apuntes que hablan de la ciudad como imagen del pensamiento, como metáfora, como mandala, que hablan de la mujer como ciudad y, luego, como mandala, metáfora, imagen del pensamiento. imago mundi, constelacion, consciencia adquirida y cristalizada en un otro plano (surrealista) al alcanzarmos un tal coeficiente de amor. mientras hago la cartografia de su cuerpo en un hotel. pigalle. un sujeto que va hacia todos los terrenos baldios de parís y de la banlieue buscando los sitios blancos del mapa. los sitios no cartografiados. un sujeto que salta entre el lugar y el no-lugar, buscando un norte - el santo graal. que lee la rayuela en el metro de paris. que de repente ve la maga, la babylonia a través de un vidro de ventanilla en el wagon de la línea 2. ¿y como podemos separarnos si aún no nos encontramos? el comboy sale del subterráneo. coge el aire. barbès-neon-afrique. un hombre fascinado por todos los espejos, reflejos, cámaras de videovigilancia, teles, catacumbas, todas ingles, sábanas, dobladuras - posibles puntos de fuga en la ciudad sin horizonte. parís, où le ciel a été terrifié. descubre, entonces, los verdaderos puntos blancos del mapa. los territorios que a matta-clark le gustarían comprar. los territorios-fronteras de los reinos de ergaland-vargaland (la micro-nación imaginaria [real] que posee como territorio las fronteras - que son de tres tipos: territorios-fronteras mentales, territorios-fronteras geográficas, territorios-fronteras ciberespaciales; la ubicuidad [¿territorios-fronteras visuales?]). posible nombre: LE FILM BLANC.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

dois pontos:

há uma brincadeirinha que gostaria de partilhar... chama "no erro" e não tem pretenção de ser nada além do que parece; gastação de onda, só. são umas poesias com melodia e não sabia o que fazer com elas, então... fiz isso com um amigo. vejam vejam!

3

“você ouviu, nas margens da folha do caderno ou do word, ou do rio, ou do rio de janeiro talvez em março ou maio, quiçá agosto...” “ãnh?” “... aquele uivo de anti-herói, engasgado na goela ou estridente de quebrar vidraça e retumbando no erro?” “ah...” “ e o sol da liberdade ou a clausura como hibernação em goles d’água goela abaixo, nuvem abaixo, e a criatura sorvendo a chuva, língua paralela a terra, roubando da terra a chuva que era dela...” “hum...” “ e os braços de osso fraco, que nem mal agarram uma ficção travestida de realidade ou o avesso, logo esgarçam” “eu? vi nada não...”