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[aStro-LáBio]°² = [diáRio de boRdo]°²

o tempo de uma gaveta aberta
é o tempo de uso de uma gaveta aberta
é o tempo de uma gaveta em uso
agora fechada a gaveta guarda
o tempo para trás levou
e não volta mais: voou





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érica zíngano | francine jallageas | ícaro lira | lucas parente

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

> Facilmente aceitamos a realidade, > > talvez por intuirmos que nada é real. > > Sonhei a dúvida e a certeza. > > (Jorge Luis Borges) > > > > - discurso crítico em relação à palavra como representação da realidade > > > > Ein traum > > > > Os três sabiam disso. > > Ela era a companheira de Kafka. > > Kafka a sonhara. > > Os três sabiam disso. > > Ele era o amigo de Kafka. > > Kafka o sonhara. > > Os três sabiam disso. > > A mulher disse ao amigo: > > Quero que esta noite me queiras. > > Os três sabiam disso. > > O homem lhe respondeu: Se pecarmos, > > Kafka deixará de sonhar-nos. > > Alguém soube disso. > > Não havia mais ninguém na terra. > > Kafka disse a si mesmo: > > Agora que os dois partiram, fiquei sozinho. > > Deixarei de sonhar-me” > > > > (Borges, 2000c:170). > > > > Lo sabían los tres. > Ella era la compañera de Kafka. > Kafka la había soñado. > Lo sabían los tres. > El era el amigo de Kafka. > Kafka lo había soñado. > Lo sabían los tres. > La mujer le dijo al amigo: > Quiero que esta noche me quieras. > Lo sabían los tres. > El hombre le contestó: Si pecamos, > Kafka dejará de soñarnos. > Uno lo supo. > No había nadie más en la tierra. > Kafka dijo: > Ahora que se fueron los dos he quedado solo. > Dejaré de soñarme. > > > > > > MONTEVIDÉU - O corpo do escritor uruguaio Mario Benedetti está sendo velado > na sede do Congresso em Montevidéu, a capital do país. segunda-feira, 18 de > maio de 2009 > > * * > > * * > > *O ÂNUS SOLAR* > Georges Bataille > > > Claro está que o mundo é paródia pura, quer dizer, que toda coisa vista > é paródia de outra, ou a mesma coisa mas com uma forma que decepciona. > > Desde que as frases *circulam* nos cérebros ocupados em refletir , o > mundo chegou à identificação total, pois uma *cópula* ajuda cada frase a > religar as coisas entre si; e estaria tudo visivelmente ligado se um só > olhar bastasse à descoberta do traçado inteiro que um fio de Ariadne deixou > e conduz no seu próprio labirinto o pensamento. > > Mas a cópula dos termos não irrita menos que a dos corpos. E quando a > mim mesmo exclamo: SOU O SOL, disto resulta uma ereção integral porque o > verbo ser é veículo do frenesi amoroso. > > > Todos têm consciência de que a vida é paródica e uma interpretação lhe > falta. > > Por isso o chumbo é a paródia do ouro. > > O ar é a paródia da água. > > O cérebro é a paródia do equador. > > O coito é a paródia do crime. > > O ouro, a água, o equador ou o crime podem ser enunciados > indiferentemente como o princípio das coisas. > > E se a origem não lembra o chão do planeta, que nos parece base, mas o > movimento circular que ao redor de um centro móvel o planeta faz, um carro, > um relógio ou a máquina de costura podem de igual forma ser aceitos na > função de princípio gerador. > > > Os dois movimentos principais são o rotativo e o sexual, de combinação > expressa numa locomotiva de pistões e rodas. > > Dois movimentos que se transformam um no outro, reciprocamente. > > Assim notamos que a terra a dar voltas faz animais e homens transarem > (e, como aquilo que resulta também é a causa que o provoca), animais e > homens transam fazem a terra dar voltas. > > A combinação ou transformação mecânica destes movimentos foi a busca > dos > alquimistas a que chamaram pedra filosofal. > > E usar uma tal combinação de valor mágico, determinou a presente > situação do homem no meio dos outros elementos. > > > Um sapato abandonado, um dente estragado, um nariz curto demais, o > cozinheiro que cospe na comida dos patrões, estão para o amor como a > bandeira está para a nacionalidade. > > Um guarda-chuva, uma sexagenária, um seminarista, o cheiro de ovos > podres, os olhos cegos de um juiz, são raízes por onde o amor se alimenta. > > Um cão que devora um estômago de pato, uma mulher bêbada que vomita, um > guarda-livros que soluça, um frasco de mostarda, representam a confusão que > veicula o amor. > > > Um homem é provocado no meio de outros, ao saber por que não é nenhum > dos outros. > > Deitado no leito, ao pé de uma mulher que ele ama, esquece que não sabe > a razão por que é ele mesmo, em vez do corpo em que toca. > > Sofre, sem saber, com a escuridão da inteligência que o impede de > gritar > que ele mesmo é a mulher já esquecida da presença dele mas excitada no > aperto dos seus braços. > > O amor ou uma raiva de menino, a vaidade de uma velha da província, a > pornografia clerical, o enorme diamante da cantora , fazem extraviar-se > personagens esquecidas em casas cheias de pó. > > Bem podem procurar-se avidamente umas às outras: só paródicas imagens > conseguem lá ver, tão vazias como espelhos. > > > Esta mulher inerte e ausente, pendurada nos meus braços sem sonhar, não > me é mais estranha do que a porta ou a janela por onde vejo e passo. > > Quando adormeço, incapaz de amar aquilo que acontece, recupero a > indiferença (que lhe permite deixar-me). > > Nos meus braços é impossível que ela saiba quem encontra, pois fabrica, > obstinada, um esquecimento total. > > Os sistemas planetários a rodar no espaço, como discos cujo centro se > desloca a toda velocidade para descrever um círculo infinitamente maior, > afastam-se da posição que tinham para regressar a ela quando a rotação > acaba. > > O movimento é figura do amor, incapaz de estacionar neste ou naquele > ser > para passar, com rapidez, de um ser a outro. > > E o esquecimento que vai condicioná-lo não é mais que subterfúgio da > memória. > > O homem, como um espectro, é ligeiro ao levantar-se de um caixão, e da > mesma forma ele cai. > > Horas mais tarde levanta-se outra vez e cai, e sempre assim, dia após > dia: grande coito com a atmosfera do céu que a rotação da terra, perante o > sol, dirige. > > E apesar da vida terrestre ritmar o seu movimento nessa rotação, por > imagem não tem a terra que roda mas o membro que penetra a fêmea e dela sai > quase por completo, para voltar a entrar. > > > Amor e vida só parecem individuais na terra, pois lá se destrói tudo > com > vibrações de amplitude e duração diferentes. > > Apesar disto, não há vibração que não vá se conjugar em movimento > circular contínuo; como a locomotiva que anda à superfície da terra, imagem > da metamorfose contínua. > > > Os seres só morrem para voltarem a nascer, como os falos que saem dos > corpos para entrarem outra vez dentro deles. > > As plantas crescem em direção ao sol, e sucumbem depois em direção à > terra. > > As árvores espetam o solo terrestre com uma quantidade enorme de > membros > florescidos que se empertigam em direção ao sol. > > As árvores que tão fortemente se levantam, acabam por se queimar com o > raio, ou ser abatidas, ou ficarem de raiz ao sol. Regressadas ao chão, > voltam a se erguer como antes e com outra forma. > > Coito polimorfo que no entanto está ligado à uniforme rotação da terra. > > A mais simples imagem de vida orgânica ligada à rotação, está nas > marés. > > Do movimento do mar, coito uniforme da terra com a lua, procede o coito > polimorfo e orgânico da terra com o sol. > > A primeira forma do amor solar é nuvem levantada acima do elemento > líquido. > > Ás vezes a nuvem erótica faz-se tempestade e cai de novo na terra, > transformada em chuva, enquanto o raio rompe as camadas do ar. > > Pouco depois a chuva torna a levantar-se sob a forma de uma planta > imóvel. > > > A vida animal descende toda do movimento dos mares, e, dentro dos > corpos, a vida continua a sair da água salgada. > > Assim foi que o mar interpretou um papel de órgão-fêmea, líquido pela > excitação do macho. > > O mar continuamente se masturba. > > Os elementos sólidos contidos e agitados dentro de uma água que se > anima > de movimento erótico, brotam sob a forma de peixes voadores. > > > A ereção e o sol escandalizam tanto como o cadáver e a escuridão dos > antros. > > Os vegetais crescem uniformemente para o sol e os seres humanos, > falóides que são como as árvores, nisto contrários aos outros animais, têm > por força que desviar os olhos. > > Os olhos humanos não suportam o sol, nem o coito, nem o cadáver, nem o > escuro, embora o façam com reações diferentes. > > > Se o meu rosto se injeta de sangue, fica vermelho e obsceno. > > Com reflexos mórbidos denuncia ao mesmo tempo a ereção sangrenta e uma > exigente sede de impudor e orgia criminal. > > Por isto afirmo sem medo que o meu rosto é escândalo e só o JESÚVIO* > exprime as paixões que tenho. > > O globo terrestre está coberto de vulcões que lhe servem de ânus. > > E ainda que este globo nada coma, às vezes deita fora o conteúdo das > entranhas. > > Conteúdo que salta com estrondo e cai e escorre nas faldas do Jesúvio, > a > espalhar morte e terror por todo lado. > > > Na verdade, o movimento erótico do solo não é fecundo, como o das > águas, > mas muito mais rápido. > > Ás vezes a terra se masturba com frenesi, arruinando por completo a sua > superfície. > > O Jesúvio é pois imagem do movimento erótico, que às idéias do > espírito, > através de enorme arrombamento, confere força de escandalosa erupção. > > > Quem acumula esta força eruptiva está necessariamente situado em baixo. > > Para os burgueses, os operários comunistas são tão feios e sujos como > partes sexuais e peludas, ou partes baixas: e cedo ou tarde vai haver uma > escandalosa erupção, durante a qual vão rolar nobres e assexuadas cabeças > de > burguês. > > Desastres, revoluções e vulcões não fazem amor com os astros. > > As revolucionárias e vulcânicas deflagrações eróticas são antagônicas > do > céu. > > Como os amores violentos, dão-se à revelia da fecundidade. > > A fecundidade celeste opõem-se os desastres terrestres que são imagem > do > amor terrestre sem condição, ereção sem saída nem regra, escândalo e > terror. > > > Assim é que o amor grita na minha garganta: sou o *jesúvio*, paródia > imunda* *do tórrido e ofuscante sol. > > Quero ser estrangulado ao violar a mulher a quem pudesse dizer: “eres a > noite”. > > O sol só ama a Noite e dirige a sua luminosa violência, falo ignóbil, > para a terra; mas não consegue ainda assim chegar aos olhos e à noite, > apesar das imensidões terrestres noturnas estarem constantemente se > dirigindo à imundície do raio solar. > > O *anel solar** *é o ânus intacto do seu corpo adolescente, e nada há > de > tão ofuscante que se lhe possa comparar; a não ser o Sol, e apesar de ter > um > *ânus* que é a *noite*. > > > * Ainda jovem, Bataille inventou esta palavra a partir de *Jesus** *e * > Vesúvio*, para designar uma espécie de deus-vulcão (Nota do Tradutor). > > Tradução de Aníbal Fernandes > > Fonte: BATAILLE, Georges. *O Ânus Solar*, Lisboa, Hiena Editora, 1985, pp. > 19-25. > > > > Uma oração (*Elogio da Sombra)*** > > Jorge Luis Borges > > > > > > Minha boca pronunciou e pronunciará, milhares de vezes e nos dois idiomas > que me são íntimos, o pai-nosso, mas só em parte o entendo. Hoje de manhã, > dia primeiro de julho de 1969, quero tentar uma oração que seja pessoal, > não > herdada. Sei que se trata de uma tarefa que exige uma sinceridade mais que > humana. É evidente, em primeiro lugar, que me está vedado pedir. Pedir que > não anoiteçam meus olhos seria loucura; sei de milhares de pessoas que vêem > e que não são particularmente felizes, justas ou sábias. O processo do > tempo > é uma trama de efeitos e causas, de sorte que pedir qualquer mercê, por > ínfima que seja, é pedir que se rompa um elo dessa trama de ferro, é pedir > que já se tenha rompido. Ninguém merece tal milagre. Não posso suplicar que > meus erros me sejam perdoados; o perdão é um ato alheio e só eu posso > salvar-me. O perdão purifica o ofendido, não o ofensor, a quem quase não > afeta. A liberdade de meu arbítrio é talvez ilusória, mas posso dar ou > sonhar que dou. Posso dar a coragem, que não tenho; posso dar a esperança, > que não está em mim; posso ensinar a vontade de aprender o que pouco sei ou > entrevejo. Quero ser lembrado menos como poeta que como amigo; que alguém > repita uma cadência de Dunbar ou de Frost ou do homem que viu à meia-noite > a > árvore que sangra, a Cruz, e pense que pela primeira vez a ouviu de meus > lábios. O restante não me importa; espero que o esquecimento não demore. > Desconhecemos os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com > lucidez e agir com justiça é ajudar esses desígnios, que não nos serão > revelados. > > > > Quero morrer completamente; quero morrer com este companheiro, meu corpo. > >

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