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o tempo de uma gaveta aberta
é o tempo de uso de uma gaveta aberta
é o tempo de uma gaveta em uso
agora fechada a gaveta guarda
o tempo para trás levou
e não volta mais: voou





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érica zíngano | francine jallageas | ícaro lira | lucas parente

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

** “Alivia a minha alma, faze com que eu sinta que tua mão está dada a minha, faze com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade, faze com que eu sinta uma alegria modesta e diária, faze com que eu não te indague demais, porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta, faze com que me lembre de que também não há explicação porque um filho quer o beijo de sua mãe e no entanto ele quer e no entanto o beijo é perfeito faze com que eu receba o mundo sem receio, pois para esse mundo incompreensível eu fui criada e eu mesma também incompreensível, então é que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la, abençoa-me para que eu viva com alegria o pão que eu como, o sono que durmo, faze com que eu tenha caridade por mim mesma pois senão não poderei sentir que deus me amou, faze com que eu perca o pudor de desejar que na hora da minha morte haja uma mão humana amada para apertar a minha, amém.” CL 11 de setembro Já não recordo em qual livro encontrei essa passagem religiosa de Clarice Lispector. Anotei assim, as frases interrompidas como versos, e imagino que no original elas estejam organizadas como prosa na página. Permaneceu assim, a oração, anotada à lápis na parede à cabeceira da cama desde que estou no apartamento do Flamengo. Reescrevi agora procurando no exercício de copiar as palavras de Clarice, apropriar-me delas, acreditar nelas. Sinto que é, no entanto, um pouco inútil. Aprecio a força poética das imagens do beijo entre mãe e filho, e da mão humana que não se desprende da mão ao leito de morte, mas, de fato, não me rendo ao poder profético, curativo ou protetor da prece. ** "As ideias pertubam a regularidade da vida." SS A companhia das letras publicou os diários de Susan Sontag, se não me engano, cobrem os anos de 47 a 63. Em muitos dos textos reconhecemos Sontag, ou, constatamos, Sontag já era Sontag desde os 14. Ou antes. Maravilha. Outros textos são de escrita aparentemente veloz, entre registros do cotidiano mais pragmático e passagens quase constrangedoras de tão íntimas. Estes, me instigaram ainda mais. São relatos da vida afetiva, dos sentimentos com relação ao filho, ao futuro ex-marido e às amantes. Fixei a recorrência de frases semelhantes que dizem algo do tipo: “fizemos amor (eu não gozei)” ou “sexo – eu não gozei”. Fixei porque me chamou atenção a carga confessional conjugada com uma objetividade de lista de compras do supermercado, num caderno que, se visava publicação posterior ou pressupunha, em algum cálculo (ainda que não revelado), a publicação póstuma, a princípio, se pretendeu tão somente íntimo e descomprometido. De fato, fixei porque jamais esperei ter em mãos um material tão íntimo de Susan Sontag, e com ele em mãos, para além da auto-exposição da autora, me surpreendeu a maneira como nesses escritos ela, pela primeira vez, se mostra a mim ou a qualquer leitor, prosaica. **

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