escutando nas barrancas do rio gavião (tirado do vinil)
algo assim:
granada - aeroporto - 19/12/09
* empañado significa embaçado ou é outra coisa?
num carro filme road o vidro empañado.
brumas coisas coloridas passam no meio cinza.
uma mão um dedo traça enxuga o vidro. só uma linha um pouco grossa através da qual as coisas passando os campos oliveiras ao redor de granada.
chego no aeroporto. leio llansol. me sinto na montanha. o falcão os pirineus me aguardam voando um vôo de pedra. ramon llull.
um manto roxo numa gruta.
marrom verde cinza azul e roxo.
entro no avião.
aterrissando em barcelona
depois de ver tanta neve do alto
e revoar contornando o apujarra
penso na questão da paisagem
da textualidade llansol aplicada ao cinema.
o avião faz uma curva brusca
é de noite
estamos no meio do mar.
"o texto é integralmente figura e fulgor".
... figura ... fulgor.
escrever agora me da vertigem.
perco o chão.
o ruído das rodas desabrochando do avião.
o quadrado de Barcelona se me apresenta.
la ciutat neta.
Tibidabo por detrás. Montjuic - no veo los bloques.
luego vuelvo a llansol.
agora baixo na zona franca.
(o pouso tão veloz tapete que nem se apercebeu do ponto entre o ar e a terra)
incrível.
6:55. 6˚ C.
***
pensando no sentido da palavra llansol. pensando inventando uma etimologia topológica.
sol, é claro. e llan que pode ser llano, llana, em dois sentidos: plano e raso. "el llano" remete a uma paisagem, uma planície. el llano en llamas. os argentinos pronunciam "xano" (el xano en xamas). me parece "chão". assim que ___________ chãosol.
***
me parece que llull e llansol são nomes pra escrever com letra minúscula sempre. dois l’s não fazem sentido quando um deles é maior que o outro, se dobrando em perna. os dois têm que estar de pé.
***
"
como continuar o humano?
Que vamos nós fazer de nós?
Que sonho vamos nós sonhar que nos sonhe?
Para onde é que o fulgor se foi?
Como romper estes cenários de "já visto" e "revisto" que nos cercam?
É minha convicção que, se se puder deslocar o centro nevrálgico do romance, descentrá-lo do humano consumidor de social e de poder, operar uma mutação da narratividade e fazê-la deslizar para a textualidade
um acesso ao novo, ao vivo, ao fulgor,
nos é possível.
Mas que nos pode dar a textualidade que a narratividade já não dá (e, a bem dizer, nunca nos deu?).
A textualidade pode dar-ns acesso ao dom poético, de que o exemplo longínquo foi a prática mística. Porque, hoje, o problema não é fundar a liberdade, mas alargar o seu âmbito, levá-la até ao vivo,
fazer de nós vivos no meio do vivo.
Sem o dom poético, a liberdade de consciência definhará. O dom poético é, para mim, a imaginação criadoria própria do corpo de afectos, agindo sobre o território das forces virtuais, a que poderíamos chamar os existents-não-reais.
Eu afirmei que nós somos criados, longe, à distância de nós mesmos; a textualidade é a geografia dessa criação improvável e imprevisível; a textualidade tem por órgão a imaginação criadora, sustentada por uma função de punjança_______o vaivém da intensidade. Ela permite-nos,
a cada um por sua conta, risco e alegria, abordar a força, o real que há-de vir ao nosso corpo de afectos.
Na verdade, proponho uma emigração para um LOCUS/LOGOS, paisagem onde não há poder sobre os corpos, como, longínquamente, nos deve lembrar a experiência de Deus,
Fora de todo contexto religioso, ou até sagrado.
Apenas sentir, ao nosso lado, dentro e fora de nós, perto e longe, uma realidade inconfundível, incomunicável, incompreensível e inimaginável mas que é, como nós, à sua imagem, unicamente presença________que nunca poderão falar, e que entre si trocarão um texto sem fim, feito de sinais, gatafunhos, que escrevem, mutuamente que as nossas presenças não nos fazem mal, nem medo.
Os meus livros contam que essa emigração já começou, e vem longe. Mas nunca direi que é a sua hora. Não sei.
A textualidade não tem, sequer, poder para considerar enigmatica a realidade. Pela mutação de estilo, pela mutação frásica e pela mutação vocabular, pelo tratamento do mais universal foi dado ao homem – um lugar e uma língua –, ela abre caminho à emigração
das imagens,
dos afectos,
e das zonas vibrantes da linguagem.
Sem provocação, diria: a textualidade é realista, se se souber que, neste mundo, há um mundo de mundos, e que ela os pode convocar, para todos os tempos, para lá do terceiro excluído, e do princípio de não-contradição.
"
lisboaleipzig 1 pags. 120 121 .
a textualidade topografia. fazer um filme que seja espaço. porque o ser humano, realmente, já não parece mais humano. talvez a unica maneira de sê-lo é radicalizando essa dissolvência no espaço. esse ser coisa. esse limite. entre o me (being) e o it (mineral, vegetal, animal). fazer filmes com carbono 14. sobre a terramoto, por exemplo. paisagem. espaço locus ponto de encontro. o pensamento como fenômeno físico. “como o raio”. o caminho do mar (fulgor), a casa (figura). nós (contemplantes). Abria atrás de nós a última porta (ponto-voraz).
figura.
cena fulgor.
esse.
ponto-voraz.
ser-humano.
sinto muito tudo isso na poesia do Fernando, por exemplo, em que sempre há ali figuras (…) e fulgores (…), percorrendo um risco de se dissolver um no outro (através de pontos-vorazes que se abrem despetalam/despertam em cenas-fulgores). sempre um vai-e-vem in out in out.
como se a figura se torna-se (se distanciando) contemplante. e a paisagem fulgor se torna-se, aproximando-se, ponto-voraz. a dissolvência no outro. e a volta.
a sobreimpressão de cronotopos (costumo dizer justaposição, mas a verdade é que é um termo eisensteiniano e prefiro mesmo sobreimpressão, é mais textual imagético). as constelações montagem alegoria ruína benjamin sempre. produzir contextos (como diz lipovetsky), mas posso estar enganado.
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“
a minha vida é como essa luz que deixa passar claridade para o outro aposento. por isso, é conforme a este dia, ao outro, ao dia seguinte, e produz semelhança, sem o ônus da monotonia. tenho a sensação de deixar espalhados pela casa, e pelos móveis, pedaços simples de textos livres que, de antemão, nunca serão um livro.
“
.amo essa parte.
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érica. você conheceu o Daniel Ribeiro em Sintra/Lisboa não foi? aquele mineiro que pensa em fazer um filme sobre/com a llansol. que trabalha na casa arquivo dela. achei ele lá. e o Francesco. que fez o CANTO DA TERRA D’ÁGUA que tem muito de vento. nossa. vontade de morar em Portugal. ouvi dizer que esse filme foi parar no Ceará e que o Uirá escreveu sobre ele (que conexões mundo!). tentem arrumar cópias – vejo se mando uma.
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o turismo como um fenômeno passageiro. um dia olharão pra trás e dirão que “o turismo foi um fenômeno da passagem do século XX ao XXI, fenômeno típico das épocas cumulativas, das belle-epoques conservadoras, assim como, no final do século XIX, D. Fernando junta tudo, falseia tudo, e manda construir o palácio da pena, colecionando até mesmo a grua dos monges jerônimos.
mas hoje são japoneses fotografando espelhos d’água granadinos, reflexos árabes na espanha andaluza, e a necessidade do click. sem olhar, sem sequer caminhar. Apenas o click e o giro, o click e o giro. como se fosse um golpe único – aquele lance barthes/sontag: eu ocidental tiro várias fotos para depois escolher; os japoneses tiram fotos golpes de espada.
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Granada - café en el Albayzin - 16/12/09
*un colchón y un cobertor en el suelo lleno de rúculas, frente a un muro enorme. (Sacromonte, el cerro de las cuevas).
él dice (quizá a la cámara) que "el buen salvaje es el hombre natural, que vive directamente la naturaleza, comiendo lo que cultiva", etc.
ella dice que "surge de la industrialización, como el paisajismo que viene de las grandes ciudades o el espejismo del desierto. es el reflejo del hombre predador del hombre (hombre luppo del hombre)". "como un muro que 'tá hecho pa' pinta', pa' subi' ",
"pa' mear", contesta él.
"pa' mi", dice él, "el problema está en esta distancia del paisaje, pues estoy aquí, pero nunca me siento parte de esto, nunca "soy" esto. creo que ser parte del paisaje y no dominarlo, no desearlo esteticamente, no hacer del paisaje un estilo (no humanizarlo), esto es lo principal del buen salaje, y esto no hacemos de estas cuevas. estar y ser el paisaje."
mientras habla esto mira Granada desde arriba y después la encuadra con las dos manos, como se estuviera imaginando una película o fotografía. entre sus dedos, en el paisaje, vemos un hombre vestido de empresario. él se aproxima.
*(cena II)
el hombre y después la mujer tiran las letras "y" y "o" en el río del Albayzin (del Paseo de los Tristes). una voz dice "quizás, encontes, ser el paisaje es solo estar indiferente".
*(III)
llega el empresaio en el sacromonte.
."a good day, isn't it?".
o
."nice view". dice sin mirar.
II
*en el sacromonte él mira la puesta del sol sentado en un sillón en medio de la mata, con otros trés sillones alrededor de las cenizas de una hoguera de ayer. el cielo cambia. los rastros rojos le hacen pensar en el origen del nombre Alhambra (al-hamra). cuando se va el último rojo, quedando solo un poco de amarillo-verde, él se va. los perros ladran.
pasa por en frente de una de las casas-cueva. en ella ve una mujer entre luces de vela. se miran - parece un largo rato. él no se detene.
entra una cartela:
."cuantos encuentros se pierden en medio del camino".
se repite la mirada. ella alumbrada por las velas. él oscuro, pero con los ojos reflejando las velas.
él entra en la casa-cueva colorida.
"me ofreces un vasito de água?"
"claro".
todo tiene doble sentido. Granada es la ciudad de las fuentes. bajo el signo de la fertilidad. los trés ríos (el Darro, el Genil y el Dílar). las estátuas-ríos que representan el verano-hojas-, la primavera-flores-, el otoño-uvas-. el invierno que no está. es seco y sin representación. una corona de espinos?
"claro" dice ella. le da el agua. é la toma de una sola vez. le mira y le devuelve el vaso agradeciendo sin palabras.
"hasta luego". se va.
"espera". le llena otro vaso.
"toma". "de adonde eres?" - mientras él bebe. "de lejos". "como te llamas?". "virgulino". ella sonríe. "¿no quieres sentarte mientras hago un té?, virgulino. está frío afuera."
la auséncia, la despedida, la impotencia creadoras de imaginación.
sigue solo por las callejuelas oscuras y blancas del Sacromonte. Albayzin.