poesia concreta (manifesto)*
augusto de campos
- a poesia concreta começa por assumir uma responsabilidade total perante a
linguagem: aceitando o pressuposto do idioma histórico como núcleo indispensável de
comunicação, recusa-se a absorver as palavras com meros veículos indiferentes, sem
vida sem personalidade sem história - túmulos-tabus com que a convenção insiste em
sepultar a idéia.
- o poeta concreto não volta a face às palavras, não lhes lança olhares oblíquos: vai
direto ao seu centro, para viver e vivificar a sua facticidade.
- o poeta concreto vê a palavra em si mesma - campo magnético de possibilidades -
como um objeto dinâmico, uma célula viva, um organismo completo, com propriedades
psicofisicoquímicas tacto antenas circulação coração: viva.
- longe de procurar evadir-se da realidade ou iludí-la, pretende a poesia concreta,
contra a introspecção autodebilitante e contra o realismo simplista e simplório, situar-
se de frente para as coisas, aberta, em posição de realismo absoluto.
- o velho alicerce formal e silogístico-discursivo, fortemente abalado no começo do
século, voltou a servir de escora às ruínas de uma poética comprometida, híbrido
anacrônico de coração atômico e couraça medieval.
- contra a organização sintática perspectivista, onde as palavras vêm sentar-se como
"cadáveres em banquete", a poesia concreta opõe um novo sentido de estrutura,
capaz de, no momento histórico, captar, sem desgaste ou regressão, o cerne da
experiência humana poetizável.
- mallarmé (un coup de dés -1897), joyce (finnegans wake), pound (cantos-
ideograma), cummings e, num segundo plano, apollinaire (calligrammes) e as
tentativas experimentais futuristasdadaistas estão na raíz do novo procedimento
poético, que tende a imporse à organização convencional cuja unidade formal é o
verso (livre inclusive).
- o poema concreto ou ideograma passa a ser um campo relacional de funções.
- o núcleo poético é posto em evidencia não mais pelo encadeamento sucessivo e
linear de versos, mas por um sistema de relações e equilíbrios entre quaisquer partes
do poema.
- funções-relações gráfico-fonéticas ("fatores de proximidade e semelhança") e o uso
substantivo do espaço como elemento de composição entretêm uma dialética
simultânea de olho e fôlego, que, aliada à síntese ideogrâmica do significado, cria uma
totalidade sensível "verbivocovisual", de modo a justapor palavras e experiência num
estreito cola mento fenomenológico, antes impossível.
- POESIA-CONCRETA: TENSÃO DE PALAVRAS-COISAS NO ESPAÇO-TEMPO.
*revista ad - arquitetura e decoração, são paulo, novembro/dezembro de 1956, n° 20.