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[aStro-LáBio]°² = [diáRio de boRdo]°²

o tempo de uma gaveta aberta
é o tempo de uso de uma gaveta aberta
é o tempo de uma gaveta em uso
agora fechada a gaveta guarda
o tempo para trás levou
e não volta mais: voou





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érica zíngano | francine jallageas | ícaro lira | lucas parente

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

equitativa

Se por algum agradável acaso da física das cordas os portais do tempo sorrissem para mim, agora mesmo eu bem poderia ter conhecido minha mãe;

gerando minha irmã primogênita, 23 anos, casada, militante de esquerda, governo Médici,
Equitativa, 1973.

Pegaríamos o defeituoso, mas não dessa vez, elevador lento, falaríamos do bom, quente e úmido tempo que é o dezembro carioca, da correria consumista natalina, ainda que o Natal celebre reencontros, não tão desejáveis, por vezes... e com essa deixa, comentaríamos sobre a sua ida ao mercado para comprar cheiro verde, camarão e moranga: "a ceia dos membros 'desaparecidos' do Partidão". Travada a empatia inerente e, de tão parecidas, é certo que nos questionariam "Irmãs?" ao que contestaríamos, simultaneamente, "Não. Mas quase lá." Ela, tão tímida; e eu (como de costume), acirrando os ânimos da felinada adotada pelo condomínio. E aí, o que é muito óbvio, diria-lhe que essa coisa de casamento não está com nada e que um filho basta para experimentar os prazeres da maternidade. Então ela não esperaria dez anos para me ver nascer e decidir virar artista. E também não seria minha mãe, claro. Seria a grande Célia Ribeiro e, por conseguinte, a ordem mundial se converteria num matriarcado. Sim, matriarcado, meu caro, pois ao abrir mão de mim, Célia Ribeiro pegaria o mundo para criar. Por minha vez, eu ficaria presa no tempo, desmaterializando-me, transformando-me nas curvas dos portais de Cosmos. E, sim, agradavelmente eu não estaria aqui, no derradeiro round de 2009, urgindo e fumando prá lá e prá cá, envenenando-me com fast-food (e muito, muito culpada por isso - e, veja bem, o problema é só e somente a culpa), aborrecendo-me com as fotos DESTAQUE DO MÊS ou com as placas RIO SEM FUMO. Não teria mais gengivite, seria a gengivite; o gás carbonico-sônico de Clifford Brown ou a poeira de Benfica; o odor das axilas suadas pelos ônibus dos trópicos ou a lasca daquela árvore amazônica de onde extraem a essência do Chanel N° 5. Tragável. Intragável. Gitâ ou o que for dito por aí. Mas passaria, é certo, por todos os pulmões e guardaria, finalmente, o mundo em mim e nele seria guardada por Célia Ribeiro, a grande Shiva da vez.
Qualquer coisa que você respire.