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o tempo de uma gaveta aberta
é o tempo de uso de uma gaveta aberta
é o tempo de uma gaveta em uso
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sexta-feira, 1 de outubro de 2010

viajar, perder países

Há alguns anos começaram a aparecer uns grafites misteriosos nos muros da cidade nova de fez, no Marrocos. Descobriu-se que quem os desenhava era um vagabundo, um camponês emigrado que não havia se integrado à vida urbana e que, para orientar-se, rabiscava itinerários de seu próprio mapa secreto, sobrepondo-os à topografia da cidade moderna, que lhe era estranha e hostil.
     minha ideia, ao iniciar este livro contra a vida estranha e hostil, é trabalhar de forma parecida à do vagabundo de fez, ou seja, tentar me orientar no labirinto do suicídio traçando o itinerário de meu próprio mapa secreto e literário, e esperar que este coincida com o que tanto atraiu meu personagem favorito, aquele romano de quem Savino, em Melancolia Hermética,  nos diz que, grosso modo, viajava em princípio na mais completa  nostalgia, mais tarde foi invadido por uma tristeza debochada, depois buscou a serenidade helênica e, finalmente - "Tentem, se puderem, deter um homem que viaja com seu suicídio pendurado na lapela" , dizia Rigaut -, deu-se uma morte digna, e o fez de maneira ousada, como protesto por tanta estupidez e na plenitude de uma paixão, pois não desejava diluir-se na obscuridade com o passar dos anos.
       "viajo para conhecer minha geografia", escreveu um louco, no começo do século, nos muros de um manicômio françês. E isso me leva a pensar em pessoa ("viajar, perder países") e a parafraseá-lo:
Viajar, perder suicídios; perdê-los todos. Viajar até que se esgotem no livro as nobres opções de morte que existem. E então, quando tudo estiver termindao, deixar que o leitor proceda de forma oposta e simétrica à do vagabundo de Fez e, com certa loucura cartografica atue como Opicinus, um sacerdote italiano do início do século XIV, cuja obsessão era interpretar o significado dos mapas, projetar seu próprio mundo interior sobre eles - não fazia mais que desenhar a forma do litoral mediterrâneo na extensão e na largura, sobrepondo às vezes o desenho do memso mapa orietado de outra maneira, e nesses traçados geográficos desenhava personagens de sua vida e escrevia suas opiniões sobre qualquer tema -, ou seja, deixar que o leitor projete seu próprio mundo interior sobre o mapa secreto e literário deste itinerário moral que aqui mesmo já nasce suicidado.




Suicídios exemplares.
Enrique Vila-Matas